sábado, 19 de janeiro de 2008

O papel da música no desenvolvimento das competências sociais dos seus filhos

O desenvolvimento da inteligência consegue-se através de varias “ferramentas” que estão ao alcance de cada ser humano, se devidamente guiado e instruído, pelos que têm como responsabilidade a sua educação.
A cada pai e mãe cabe, assim, concentrar um investimento detalhado para que possa ver crescer os seus filhos harmoniosamente.
O crescimento harmonioso é, no entanto, muito mais importante do que o desenvolvimento de uma das partes daquilo que caracteriza o ser humano.
Infelizmente, a pressão social e de “parecer” leva muitos pais a “puxar”, literalmente, por certas competências dos seus filhos. Muitas vezes ouvimos dizer que “o meu filho aos 3 anos já lia” ou “ainda não tinha quatro anos já fazia contas de cabeça”. Esta necessidade de perecer mais inteligente e mostrar aos outros as “habilidades intelectuais” superiores dos nossos filhos tem produzido, infelizmente, muitas crianças disfuncionais, que, por razoes de incoerência e desequilíbrio, nunca atingiram a sua maturidade em todas as áreas e dimensões da vida humana. São assim produzidos seres infelizes que carregam consigam a vida fora o fruto da incorrecta ideia de educar, partilhada pelos seus progenitores ou educadores.
Existe uma área na qual este tipo de desequilíbrio é cada vez mais visível, na qual as disfunções se revelam atrozes, obrigando ao pagamento de um elevado tributo ao pagamento. Referimo-nos á dimensão social.
Não basta desenvolver ao máximo a inteligência dos nossos filhos para que sejam pessoas de sucesso. É necessário igualmente ensina-los a viver em sociedade, a manifestarem fidelidade nas suas relações sociais, a revelarem-se pessoas de confiança e de palavra, competências de empatia pelos sentimentos e estados de alma dos que os cercam, sem perder a própria individualidade. Estar atento aos outros, saber ouvir e responder a seu tempo, ter uma mente sociável, que gosta das pessoas mais do que das “coisas” leva-nos para a questão do desenvolvimento da inteligência emocional, que é impossível conseguir sem o envolvimento dos “outros”, pois é só em sociedade que as emoções se podem construir e manifestar.
Nesta perspectiva, a música desempenha um papel relevante. Não só com ela é possível desenvolver a inteligência dos seus filhos, mas também criar competências sociais importantes que farão a diferença entre o ser ou não ser equilibrado e funcional.
Como é que a música promove o desenvolvimento das competências sociais?
A musica, podemos dizer de modo simplista, é composta por 3 dimensões: ritmo, a harmonia e a melodia.
Consideremos o ritmo: o ritmo permite dar alma á música. Uma vez definido o compasso, o valor das notas, é possível padronizar e juntar vários instrumentistas. Para que isso aconteça, é fundamental aceitar uma disciplina milimétrica, sem a qual não poderia haver entendimento musical. Ir mais “depressa” num compasso, implica um desajuste com os outros instrumentistas, inviabilizando o prazer de uma música agradável. Ora, para viver em sociedade é necessário desenvolver a disciplina. Disciplina para se chegar4 a horas para o emprego, disciplina para não passar não passar á frente numa pessoa numa fila de espera, disciplina para não comprometer a integridade física, intelectual ou social numa terceira pessoa. Viver a vida sem disciplina torná-la-ia simplesmente impossível. A disciplina pode ser conseguida de 2 maneiras (fundamentalmente): por imposição externa, de outros, (como os pais, professores, policia, exercito, etc.) ou de modo interno (por decisão própria, nascida nas motivações profundas do ser humano que tem de tomar decisões e viver com os outros).
É hoje um campo comum que os alunos são indisciplinados nas escolas. Não respeitam os outros, não desenvolvendo hábitos de disciplina na leitura, na realização dos trabalhos de casa, são indisciplinados com os professores, educadores e colegas.
Esta grave condição do nosso sistema educativo esta a produzir um pesado fardo que nos tira muitas energias que deveriam ser aplicadas na formação de seres serão vencedores no mundo competitivo actual. Uma dessas consequências manifesta-se através de elevado absentismo por baixa de doença por parte dos professores, fruto do ambiente de indisciplina vivido nas escolas, manifestado pelo crescente número de agressões contra os professores, tornando a arte de ensinar um pesadelo diário para milhares de pessoas.
Haverá alguma solução para esta condição?
Certamente que aqui conseguiríamos ter muitas soluções (quase tantas quantas as cabeças que pensariam na questão!). Mas muitas dessas soluções assentam na manutenção da disciplina de forma externa (aumentar o policiamento das escolas ou colocar vídeo-vigilância nas ruas, são exemplos frequentemente apresentados).
No entanto a disciplina deve ser algo de dentro para fora; isto é, que esta no individuo e o ajudará a viver em sociedade, pois haverá sempre situações em que a policia não esta presente ou a ver, em que a câmara de vídeo não funcione, e, por isso, se contarmos com meios externos para conseguir obter a disciplina, acrescentaremos fracassos após fracassos.
É neste contexto que a música a assume um papel de importância inestimável pelo contributo que pode trazer para o desenvolvimento das competências sociais dos nossos filhos.
Quando uma criança aprende a sentir o pulsar da música, distinguindo os compassos binários, ternários, quaternários e compostos, ela aceita naturalmente a disciplina para conseguir o efeito procurado. Deste modo, ela aprende a estar atenta aos detalhes que fazem a música, e, ao mesmo tempo, a dominar os seus ímpetos numa direcção contrária à que é definida pelas informações rítmicas da pauta musical.
Mas as vantagens deste processo vão mais além do que o simples aprender a bater o compasso: a necessidade de prestar atenção! O desenvolvimento da concentração. Ao ter de se concentrar dos outros que tocam com o mesmos ritmo, ou referenciados por um aparelho de precisão (como é um metrónomo), a criança aprende a aceitar outra “lei na vida” que não a dela. De uma atitude auto-concentrada, estranhando outras fontes de autoridade e domínio sobre si, é aprendida a lição da humildade e inter-dependência humana. Outro aspecto importante a salientar aqui é, depois de interiorizada essa disciplina do compasso e da unidade de tempo, a criança já não precisara do metrónomo para se disciplinar, por isso é agora algo que lhe pertence, e ela consegue, sem errar muito, manter o ritmo correcto da sua pauta musical, sem estar dependente de ajuda externa, como um metrónomo.
O desenvolvimento deste processo tem reflexos sobre as outras áreas da vida da criança. Ela aprende que existem outros ritmos – ou os dos outros – para além do seu, aprende a estar atenta aos diferentes ritmos, respeitar esses ritmos, a não impor a sua vontade de modo totalitário manipulando os que a rodeiam. Aprende a partilhar e a trabalhar em equipa, em sociedade. Sem esta componente, ela não seria um ser adulto de sucesso, e, para isso, se for bem usada, a música pode contribuir decisivamente.


Luís Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde, Mestre em Saúde Publica

In “Revista Saúde & Lar” 65º ano n.º 720 pp 14-15
revista mensal

(artigo cedido gentilmente pelo Professor de clarinete Tiago Abrantes)

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