sábado, 22 de março de 2008

A cultura da Violência nao escolhe classes

Sílvia Carla Conceição

Psicologa escolar, especialista do Centro de Educação Integrada da instituição social a Cidade dos Meninos, em São Paulo, no Brasil, Sílvia Carla Conceição participou no primeiro grande Congresso Internacional sobre Estudos da Criança, realizado recentemente na Universidade do Minho. Com vasta experiencia no estudo da violência na infância, foi uma das caras da campanha Palmada já era!, promovida no Brasil para sensibilizar cidadãos e politicos para os direitos dos mais pequenos.

Em Portugal, ainda existe a ideia de que uma boa palmada educa. É correcto pensar assim?

Não. Isso pressupõe a ideia de uma relação de poder, a criança não é vista como sujeito ou pessoa, mas sim como objecto. Dentro das nossas crenças, a palmada ainda é recurso para educar, ou seja, algo de lícito. Só que, de palmadinhas em palmadinhas, vai aumentando a força e a intensidade. Qualquer prática que atinja o corpo do outro e provoque dor física é violência.

A palmada não é justificável em nenhum caso?

Não. Se a mãe usar a punição corporal pelo facto de a criança ter feito alguma coisa errada, terá de utilizar sempre o mesmo recurso. Se, depois de bater varias vezes, ela tentar conversar, a criança já não ouvirá. Ela vai esperar a palmada, por isso é entendido como resolução do problema. A palmada é uma extinção de comportamento. Quando a gente bate, a criança pára, de facto. Mas isso não tem qualquer significado educativo.

A criança que apanha é violenta para com outras crianças?

A partir do momento que a criança percebe que um conflito se resolve através da violência física, ela vai reproduzir isso com outras crianças. Se ela aprendeu na relação parental que bater resolve, usara o mesmo procedimento. Nunca tentará conversar.

A violência é mais comum em determinadas classes sociais?

Rico bate, pobre bate. A cultura da violência é um fenómeno democrático, não escolhe classes. O que os estudos mostram é que a criança mais nova, mais frágil, apanha mais. Você dá um chuto num cão, não dá num leão. Se bater num adolescente, pode levar.

Porque é que só um pequeno grupo de países proíbe todo o tipo de castigos corporais nas crianças?

A infância já não é uma grande preocupação dos governos. AO longo da história da Humanidade a criança foi olhada sempre de uma forma pessimista: dá trabalho, é pestinha, etc. No Brasil, está na gaveta desde 2003 um projecto de lei que visa proibir qualquer tipo de violência sobre a criança como método educativo.

E é irónico que ao mesmo tempo se reduza o estatuto de maioridade para 16 anos com o argumento de combater a violência. Daqui a nada, vão querer prender as nossas crianças aos 2 anos.

A crença popular é aliada ao sistema?

As crenças enraizadas legitimam o castigo corporal. As pessoas pensam assim: se você apanhava do seu pai e é alguém na vida, qual é o mal? “agora vai doer, mas um dia você vai valorizar essa dor”, percebe? Mas se olharmos para a criança como pessoa, não batemos. Se você entornar o sumo de laranja na mesa, vou bater em você? Claro que não. Mas fazer isso na criança é normal? Quantas vezes resolvemos conflitos sem bater? Porque não fazemos o mesmo com as crianças?

Como se resolvem, então, os conflitos?

Conversar é uma solução, mas não há uma receita igual para todas as crianças. As crianças podem sugerir-nos alternativas para lidarmos com elas nas situações tensas, mas isso não vale para todas as idades. Em qualquer caso, a violência é uma forma inadequada de educação. A prática do castigo corporal, do bater, foi abolida na escola, mas os pais ainda têm o direito de bater. E porquê? Porque se entende que os pais têm direito de vida e de morte sobre os filhos, persiste a ideia do “eu faço com os meus filhos o que eu quiser”. É um comportamento prejudicial ao desenvolvimento das crianças.

Revista Visão 21 de Fevereiro de 2oo8

Artigo gentilmente cedido pelo professor Tiago Abrantes

Um comentário:

*Marta* disse...

Artigos como este são importantes para todos os Encarregados de Educação. Infelizmente a violência infantil é um acto que ainda persiste no nosso país. Porque não lançarmos uma campanha contra isso?
Humm...surge uma ideia.
:)